Não é dificil para mim falar de Damão a todos aqueles que me abordam sobre a minha “aventura” e também não é segredo que a Índia ficou eternamente no meu coração. Sinto saudades do cheiro da Índia, dos amendoins quentes e do “lassi”, do sumo de cana e das gentes com os seus sorrisos, do encantamento e da descoberta. Embarquei para a Índia completamente embriagada com os deveres académicos de um projecto e deixei-me, a pouco e pouco, levar pelas coisas boas que a Índia me dava. A visão ocidental e completamente redutora que tinha foi-se esvaindo com as surpresas constantes do quotidiano e no fim de mais um dia passado tinha mais saudades de um tempo livre que não tinha contemplado nos dias de projecto de investigação.
Como que por ironia, tem-me acontecido algo que tem tanto de estranho como de agradável: passo frequentemente, e sem sequer planear, por ruas de Lisboa que me remetem a essas lembranças – Rua Cidade de Goa em Sacavém, Rua Diu no Prior Velho, Praça Damão em Lisboa... Naturalmente que o meu olhar está agora «apontado» e apurado a todos os assuntos que da Índia se tratem, mas mesmo assim, não deixo de ficar agradávelmente surpreendida com estas recorrências.
De todas as lembranças, aquela que mais saudades me traz é sem dúvida o meu quarto em casa da Mazé, com todos os melhores e menos bons momentos. A primeira noite: grande atribulação; passei de ser humano a pista de aterragem para melgas e melgões (devo dizer que a minha pele sempre foi cobiçada por todos os mosquitos que se prezem, desde a Europa às Américas, e a Ásia não haveria de ser excepção). A segunda noite resolvi isso com repelente nos braços e face (espalhada gentilmente como se de um creme se tratasse sem chegar às zonas sensíveis). Não resultou a 100%...passei a ter um heliporto nas pálpebras e nas orelhas. A terceira noite desenrasquei uma tenda à base de um lençol entalado entre a cabeceira da cama e as laterais do colchão, sempre com a dificuldade que era a de entrar, entalar e manter a dita tenda no sitio certo. Este esquema durou até finalmente comprar a bela e famosa rede de mosquitos amarela-champanhe (recusei o verde flurescente e o rosa choque por achar que podia assustar-me se acordasse a meio da noite). Outra noite maravilhosa tem a ver com bichos de quatro patas e não com outros voadores. Não cheguei a saber o que seria ao certo, mas pelo barulho que infligia no soalho e nos sacos (e nos ginchinhos) era algo entre um blind mice e uma osga que, com a sua curiosidade, gazilhou nos meus sacos plásticos e fez um barulho tal que me deixou o resto da noite de atalaia. A peripécia durou mais uma noite até eu decidir na terceira noite que o melhor era esconder os sacos barulhentos para que o bicho pudesse passear no soalho de madeira sem me acordar do meu sono reparador.
Com o passar dos dias, os sons da rua foram tornando-se familiares; já dava por falta do senhor que passava todas as manhãs a apregoar garam garam (algo quente e fresco) tal como se dá por falta de um amolador nas tradicionais ruas de Lisboa. Até da gata ladra que entrava sorrateiramente na cozinha para roubar o que conseguia e que o seu filhote aprendeu a fazer habilmente de uma forma ainda mais arrojada...metia-se nos quartos à procura de algo interessante e só davamos por ele se por acaso nos cruzassemos quando ele saisse das suas investigações.
Ontem via a Índia como um país distante, enigmático e fascinante mas problemático e cheio de perigos; hoje vejo a Índia como uma aventura infindável, um manancial de emoções a serem descobertas. Os perigos, os problemas e as dificuldades continuam lá mas hoje em dia, qualquer país está exposto a este tipo de situações. É apenas a consciência, a retidão, a diplomacia e o respeito pelos outros que irão fazer da Índia, tal como qualquer outro país, um país melhor para um cidadão do mundo. Respeito pelo próximo, humildade, reconhecimento das diferenças culturais são chaves básicas para tirar o melhor partido de qualquer que seja a experiência cultural que se esteja a viver. Não há espaço para vergonhas, não existe espaço para dizer não a uma experiência diferente, não se permitem desculpas à base da falta de tempo para viver algo novo. O risco que se corre ao agir desta forma é elevado e irreversívelmente positivo: fica-se totalmente apaixonado com estas emoções únicas a que nos permitimos viver! Se a Índia me deixou alguma coisa, deixou certamente a saudade marcada no coração; se a Índia me ensinou alguma coisa, ensinou certamente a dar valor aos pequenos momentos.
Crónica publicada na edição de janeiro de 2008 da Associação Fraternidade Damão Diu e Simpatizantes
sexta-feira, janeiro 11, 2008
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