terça-feira, março 29, 2005

A abrangência da ideia de património - Artigo do DN

"A abrangência da ideia de património" mostra-nos como o mundo de hoje "está a realizar um imenso 'trabalho de luto' em relação às sociedades tradicionais com as quais a modernidade cortou." As palavras, do arqueólogo e docente universitário Vítor Oliveira Jorge, constam do seu prefácio à tradução portuguesa de A Política do Património, de Marc Guillaume, obra de referência numa área de conhecimento e de intervenção não menos chave, editada em França em 1980 e que chegou até nós com mais de duas décadas de atraso, em 2003.

Ao pensarmos na realidade portuguesa e nesse "trabalho de luto", cedo nos apercebemos de como a largueza do conceito tem deparado, demasiadas vezes, com um afunilamento das práticas a noção de património há muito que deixou de reportar-se exclusivamente à peça de perfil monumental, mas a prática mostra-nos que tudo quanto não caiba nessa categoria clássica - porque de perfil mais modesto, discreto ou corrente - continua a ser encarado e tratado como um maçador obstáculo a remover do caminho. A forma desastrosa como continuamos a intervir na paisagem e a delapidar a identidade dos lugares diz tudo sobre esse modo de estar.

É esse outro património, o primeiro a desaparecer na voragem de uma modernidade sem memória, que constitui o tema de capa do mais recente número, o 7.º, da revista Património - Estudos, editada pelo Departamento de Estudos do Instituto Português do Património Arquitectónico (Ippar). Sob o título genérico Outros patrimónios, o dossier em apreço recupera, assim, aquele que fôra já tema do ciclo de conferências que o Ippar promoveu, em 2004, na Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro, em Lisboa.

Reunindo sete artigos de fundo que, sem excepção, nos falam de unidade na diversidade e da urgência de encarar o património como instrumento de desenvolvimento - não apenas no plano do discurso, mas, sobretudo, da prática quotidiana e das escolhas que ela exige - Outros patrimónios abrange, aqui, "Arquitecturas de veraneio" (por Raquel Henriques da Silva), "O património das termas em Portugal" (Helena Gonçalves Pinto e Jorge Mangorrinha), "Os faróis portugueses memória do passado, desafios do presente" (Joaquim Boiça), "Caminho-de-ferro, um património sobre carris (Margarida Ramalho e Rui Cardoso), "Território antigo" (José Eduardo Mateus), "Gramáticas de pedra - apontamentos sobre outros patrimónios" (Gabriella Casella) e "As estradas em Portugal: um património esquecido" (por Amélia Aguiar Andrade).

A temática do dossier acaba por ter desenvolvimento em outras rubricas habituais na revista do Ippar, nomeadamente a dedicada à área da salvaguarda - que, neste número, se ocupa dos temas "Património geológico", por Miguel Magalhães Ramalho, e "Património cemiterial", por Francisco Queiroz e Ana Margarida Portela - e, também, na rubrica Memória, por via do conjunto de artigos que a historiadora e técnica do instituto Deolinda Folgado tem vindo a publicar sobre património industrial, justamente um dos que se encontra em maior risco no País.

Que o Ippar reconheça a importância destes outros legados é já um bom indício, pelo que se espera que, no quadro das suas atribuições, assuma igualmente a sua efectiva defesa. Sobretudo no que respeita ao património de Oitocentos/primeiros anos de Novecentos, que permanece votado ao mais profundo desprezo e, na esmagadora maioria dos casos, destituído de qualquer tipo de protecção. Num flagrante contraste com a atenção que está a ser dada a criações contemporâneas que não se submeteram, sequer, ao teste do tempo.

artigo escrito por Maria João Pinto, no Dn online , acerca da nova revista do IPPAR - Património - Estudos

Mais informações acerca da revista podem ser visualizadas aqui

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